Se no ensino médio você tem dificuldades em saber se, por exemplo, a estrutura do BF3 é trigonal plana e o CO2 linear, mas não entra na mente por quê H2O é angular, agora seus problemas acabaram. No período passado da faculdade aprendi um método muito bom. Ele se chama RPECV ou ainda VSEPR (pronuncia-se “vésper”), sigla em inglês para teoria de repulsão dos pares de elétrons na camada de valência.
O princípio dele é muito interessante: fazer uso dos pares de elétrons que NÃO fazem ligação, ou seja, pares de elétrons não ligantes, para prever a disposição dos átomos de uma molécula. Lembrando que os compostos buscam o equilíbrio quanto a localização de seus constituintes estruturalmente, e que estados de menor energia oferecem maior estabilidade, então os átomos tendem a ficar igualmente espaçados. Uma evidência experimental e que pode servir de analogia vem da observação da ligação hidrogênio-hidrogênio: conforme aproximamos os dois núcleos, seus orbitais começam a se sobrepor, no entanto há um limite: se juntamos demais, há repulsão; se unimos a uma distância de 74 pm (7,4 × 10-11 metros), estabilidade máxima (KOTZ, p. 382; ALLINGER, p.15) Portanto, seja em interações átomo-átomo ou entre átomos não ligados entre si em uma mesma molécula, quanto maior a distância, melhor.
As suposições por trás desta teoria (RUSSEL, p. 409) são:
“1. Os pares eletrônicos da camada de valência do átomo central numa molécula ou num íon poliatômico tendem a se orientar de forma que sua energia total seja mínima. Isto significa que eles ficam tão próximos quanto possível do núcleo e ao mesmo tempo ficam o mais afastado possível entre si, a fim de minimizar as repulsões intereletrônicas.”
“2. A magnitude na repulsão entre pares depende do fato dos pares eletrônicos estarem compartilhados ou não. Se os dois pares estão compartilhados a repulsão é a mais fraca, é intermediária entre um par solitário e um par compartilhado e é a mais forte entre dois pares solitários. É fácil entender isto tendo em vista que a nuvem eletrônica de um par compartilhado se espalha além do átomo central devido à atração exercida pelo núcleo do segundo átomo, o que aumenta a distância entre esta nuvem e outros pares eletrônicos ao redor do átomo central e, portanto, reduz as repulsões entre eles. Por outro lado, a nuvem eletrônica de um, par solitário se espalha lateralmente e se aproxima mais dos outros pares da camada de valência, o que leva a repulsões fortes entre os pares.”
“3. Forças repulsivas decrescem bruscamente com o aumento do ângulo entre pares. São fortes em ângulos de 90°, mais fracas em ângulos de 120° e extremamente fracas em ângulos de 180°. Na prática, não é necessário considerar repulsões para ângulos superiores a 90°.”
Seguindo esses princípios, é possível desenhar uma boa quantidade de estruturas, embora teorias mais avançadas como a TLV e a TOM possam ir além e explicar até mesmo como espécies “esquisitas” como H2+ podem existir e o paramagnetismo do oxigênio. Por enquanto elas não serão discutidas no blog.
1º – Desenhando uma estrutura: Lewis é importante
Não podemos abandonar a fórmula eletrônica ou de Lewis. Ela mostra-se essencial neste processo. Inicialmente, como aprendemos desde o 9º ano, fazemos um rascunho dispondo os átomos com seus elétrons de valência (da última camada) ao redor dos mesmos, com pontinhos. DICA: você observa o número de elétrons pela família do elemento (1A: 1 e⁻, 2A: 2 e⁻, indo até 8A: 8 e⁻).
Por exemplo, a estrutura eletrônica da amônia se daria da união de um átomo de nitrogênio com três átomos de hidrogênio, isto é:
Basta unirmos os pontos, de modo que cada átomo complete seu octeto, salvo exceções, e mantenham-se estáveis.
2º – O número estérico
É aquele que se estressa à toa e… (risos). Brincadeiras às parte, o número estérico é dado pela soma do número de ligações químicas, L, com o número de pares de elétrons não compartilhados na camada de valência, P, sendo ambos relacionados ao átomo central (isso significa que pouco importam os pares de elétrons dos átomos ligados – ou não – a ele). Devo frisar que tanto ligações simples como duplas, triplas e coordenadas dativas são consideradas uma só, exclusivamente neste cálculo (ex.: se tivéssemos CO₂, isto é,
O == C == O, então L seria 2). Temos então:
nº estérico = L + P
No caso da amônia, teríamos: nº estérico = 3 + 1 = 4
3º – Geometria
Dispondo das informações obtidas, podemos utilizar uma tabela que resume todas as possíveis geometrias moleculares.
Como o número estérico da amônia é 4 e ela possui apenas 1 par de elétrons não compartilhados, a leitura é feita como 41.
Recomendo decorar (sim, neste caso é inevitável) por dezenas, ou seja, 20 é linear, 51 é cachaça gangorra, e assim por diante. Comecem estudando os que terminam em zero, que são os mais gerais:
20 – linear (ângulo entre os ligantes: 180º)
30 – trigonal plana (ângulo entre os ligantes: 120º)
40 – tetraédrica (ângulo entre os ligantes: 109º 28′)
41 – pirâmide trigonal
42 – angular
50 – bipirâmide trigonal (ângulo entre os ligantes: 90º, 120º)
51 – gangorra
52 – T
53 – linear
60 – octaédrica (ângulo entre os ligantes: 90º)
61 – pirâmide de base quadrada
62 – quadrado planar
*Obs.: os ângulos, que são médios, devem ser vistos em 3-D, não no plano, 2-D.
Embora me limite a entrar no assunto hibridação, creio ser interessante mostrar a versão tridimensional da amônia relacionando-a:
Finalmente, temos que a geometria da amônia, NH3, amoniaco em espanhol, é pirâmide trigonal.
Viram? Desse jeito é muito simples. Não entendo como os professores não passam isso em sala. Ah, não posso deixar de comentar: caso queiram utilizar deste método, por obséquio, falem antes com seus professores de química. Talvez eles não os deixem utilizá-lo, embora extremamente útil. Em resposta negativa, o jeito é continuar com a maneira arcaica. De qualquer modo, agora sabem prever as mais variadas estruturas.
Dica de leitura
http://www.meta-synthesis.com/webbook/30_timeline/lewis_theory.php (em inglês)
REFERÊNCIAS
SOLOMONS, T. W. G.; FRYHLE, C. B.; Química Orgânica. 7ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2001.
McMURRY, J; Quimica Organica. 5ª ed. España: Thomson Internacional, 2000.
RUSSELL, J. B.; Química Geral. 2ª ed. São Paulo: Makron Books, 1994.
ALLINGER, N. L. (et al); Química Orgânica. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Dois S.A., 1978.
adorei sua explicação simples!
Por que eu não encontrei seu blog antes? Muito bem explicado e ainda tem um humor pra descontrair (51 – cachaça {shuahsua}). ÓTIMO! Simples e direto!
Ah, obrigado! Leia os outros artigos, pois eles também poderão ser tão úteis quanto este foi. Recomendo salvar a tabela com as geometrias no computador e, se possível, imprimi-la. Acredite, o método “vésper” auxilia e muito. Para mais informações, leia o livro Kotz vol. 1, que aborda esse método de modo simples.
Fico animado em saber da existência desse blog.
Ah, é uma pena ter que decorar essa tabela toda, achei que tivesse algum método para saber da geometria molecular de forma natural, sei lá, hahaha.
Me ajudou bastante, obrigado!
Infelizmente, não faço mais artigos por aqui, e o projeto mais recente, “Equipe Solução”, não foi adiante. Talvez um dia eu volte. Aproveite e leia os artigos já escritos! De nada 🙂
MUITO BOM, PARABÉNS!
Nossaaa clario, tao simples amei a explicação, brigada😊